-->
-->-->-->
O Imparcial: Que avaliação o senhor faz da sua carreira política 28 anos após assumir a Presidência da República do Brasil?
José Sarney:
A vida e o destino foram extremamente generosos comigo: fizeram-me o
político de carreira mais longeva da História da República, aquele que
teve o maior número de mandatos no Senado Federal e o que pôde subir
todos os degraus da política, de deputado federal a presidente da
República, além de presidente do Senado Federal por oito anos.
Na
Presidência da República, tive a difícil missão de comandar a saída do
País de um regime autoritário e a instauração da democracia.
Tivemos
poucas Constituições na História da República. A que mais profundamente
modificou a sociedade brasileira foi feita durante meu Governo.
Eu,
quando convoquei a Constituinte, tive oportunidade de dizer que
precisávamos avançar nos direitos sociais, correspondendo a minha
Presidência ao período em que o Brasil colocou o social entre as suas
prioridades e como uma das razões da ação do Estado.
Tudo isso foi possível porque a transição democrática foi feita com a implantação de instituições duradouras e seguras.
Os
estudiosos da história recente da democracia no mundo ressaltam que a
mudança mais profunda feita no Brasil foi a realizada durante o meu
Governo. E também que a nossa Constituição é a que mais tempo passou sem
ruptura na História da República.
Relembrando
o episódio da posse na Presidência do País recém-saído de uma ditadura
militar e a morte de Tancredo Neves, foi um momento pessoal muito
difícil?
Foi
um momento pessoal muito difícil. Não há palavras na Língua Portuguesa
que possam explicar o meu sentimento naquela noite. Além da
perplexidade, da solidão, da tristeza e do temor pelo desconhecido,
havia o peso imenso da responsabilidade que, naquele momento, recaía
sobre meus ombros.
Quais contribuições do seu Governo na Presidência da República têm grandes reflexos ainda hoje, 28 anos depois?
Esse
período foi de absoluta tranquilidade institucional, o que possibilitou
que o Brasil passasse a ser a sexta economia mundial e fizesse uma
melhor distribuição de renda, tornando o País mais justo.
Recordo que todas essas conquistas começaram durante o meu Governo.
Para
citar algumas delas, recordo a maior de todas: a universalização da
saúde. No Brasil, apenas trabalhadores com carteira assinada tinham
direito ao benefício da assistência à saúde, custeado pelo Estado. Hoje,
depois do meu Governo, todos os brasileiros passaram a ter direito a
esse benefício, uma conquista coberta do nascimento até a morte.
A taxa de desemprego que deixei foi de 3%, até hoje não repetida, ou seja, continua inédita na História da República.
Instalei também o Conselho da Mulher, e hoje temos uma mulher Presidente da República.
Cito
ainda a defesa do consumidor, o vale-alimentação, o vale-transporte, a
impenhorabilidade da casa própria, o 13º salário para o funcionalismo
público, civil e militar, e também uma política de valorização do
salário-mínimo, que passou a ser também uma maneira de melhor
distribuição de renda. Isso começou com o Plano Cruzado e até hoje não
foi superado.
Todo esse legado tem a base e o princípio do Governo da transição democrática presidido por mim.
Esta é a principal avaliação que posso fazer dos anos que se passaram após a minha saída da Presidência.
Para citar Rui Barbosa: “Tenho a consciência, como estadista, de que não plantei couve, mas sim carvalho.”
O que aprendeu com os aliados ao longo da sua carreira política e o que só aprendeu com a Oposição?
Foi
minha prática constante, ao longo de toda minha carreira, o exercício
da arte do diálogo para compreender a posição e o pensamento dos outros.
Dentro desse quadro, penso que a Oposição é necessária e contribui para
que cada um prove que a democracia é um estado de espírito.
Qual legado fica para os filhos? Era seu desejo que seguissem o caminho da política?
Meu
testamento para eles é o de pregar a fidelidade aos valores morais, o
amor ao próximo, a capacidade de perdoar e a gratidão pela graça da
vida, que começa na família.
Cada tempo é seu tempo, e o mundo
vive em constante mutação. Hoje, estamos, em relação ao tempo em que
entrei na política, num mundo transformado. E vivemos também num mundo
em transformação, na passagem da sociedade industrial para a sociedade
de comunicação.
Se eu nascesse hoje, não entraria na política, mas não posso dizer aos meus filhos, que nasceram nesse tempo, que não o façam.
A
política nos proporciona o pensar coletivamente, com a possibilidade de
melhorar a sorte das pessoas da sua cidade, do seu Município, do seu
Estado, do seu País e da própria humanidade. Só se faz política com
espírito público, com devoção, com fé, como se fosse uma religião. Para
isso, são necessários sacrifício, paciência e dedicação.
Quais os planos para o futuro? Aposentadoria? Literatura?
Aos 80 anos, o futuro, como dizia Eliot, é o presente e, dentro do presente, estão o futuro e o passado.
Não
penso em me aposentar nunca. Até o fim da minha vida, trabalharei todos
os dias nas duas vertentes que constituí na minha vida: a política e a
literatura.
Biografia, ficção e jornalismo – o senhor pretende dedicar-se mais a um ou a outro desses segmentos da escrita?
Estou
com meu livro de memórias concluído. Devo entregá-lo dentro de alguns
meses aos editores. Espero que, até o fim do ano, esteja publicado. Ele
sairá, ao mesmo tempo, em português e espanhol.
Não
abandonarei a poesia, a ficção e o jornalismo. Tenho verdadeira
fascinação pelo jornal. Não sei como viveria se não escrevesse quase
semanalmente. O jornal e o livro, para mim, são as maiores invenções da
humanidade.
O senhor voltaria atrás em algo na carreira? Talvez dedicar-se somente ao jornalismo ou à literatura, por exemplo?
Se
pudéssemos viver a mesma vida duas, três ou muitas vezes, em cada uma
delas, mudaria muitos dos erros que cometi, corrigiria muitas das minhas
falhas. Talvez me dedicasse somente ao jornalismo ou à literatura, por
exemplo. Se eu tivesse que repetir, como disse, muitas vezes, a mesma
vida, sem dúvida alguma, em uma dessas vezes, ficaria somente com o
jornalismo ou com a literatura; em outra, somente com a política. Quem
sabe, até entraria para um convento!
Nenhum comentário:
Postar um comentário