Escutas telefônicas feitas com autorização da Justiça comprovam que o
grupo de agiotas que mantinha ligações com pelo menos 41 prefeituras
maranhenses, também possuía laços ‘com o poder”. A descoberta aconteceu
como desdobramento das investigações que apuram a morte do jornalista
Décio Sá, executado a tiros há um ano, em um bar da Avenida Litorânea,
em
São Luís.
As fraudes, segundo a Polícia e o Ministério Público, envolveram
prefeituras municipais no período de 2009 a 2012. Para financiar suas
campanhas, os gestores contraíam empréstimos com a quadrilha, que pegava
dinheiro público como pagamento. O bando era comandado pelo empresário
Gláucio Alencar e o pai dele, José Alencar de Miranda e teria desviado
mais de R$ 100 milhões das prefeituras maranhenses, de acordo com as
investigações.
Em uma das ligações aparecem o advogado Ronaldo Henrique Santos Ribeiro, e uma pessoa identificada apenas como Rodrigo.
- e aí, ladrão?
- tu é empresário de quê? Tu é empresário de quê?
- mas rapaz...
- tu é ladrão de dinheiro público, rapá (risos)
Depois um vereador da região metropolitana de São Luís entra na conversa....
- cadê Franklin Neto?
- tá aqui esse ladrão. Peraí.
Fn: “esperando tu me ligar, até agora”.
- ainda nem almocei. Você tá onde, sô!
Fn: “nós estamos aqui, conspiraaaaaannnnndo.”
Flanklin Neto, que aparece na gravação é vereador da cidade de Raposa.
Ele seria uma pessoa de confiança dos agiotas para intermediar negócios
com prefeituras da região metropolitana de São Luís, conforme aponta
esse relatório de investigação – a que a TV Mirante teve acesso.
Procurado pela reportagem, Flanklin Neto, negou envolvimento com o
grupo.
Em um processo de 2009, o avô de Flanklin Neto, o advogado maranhense
José Flanklin Skeff Seba aparece como defensor em Xinguara, no Pará, do
pistoleiro Jhonatan de Sousa Silva, em um caso de homicídio. Johnatan,
mais tarde, confessou ter sido contratado pelos agiotas para matar duas
pessoas: Décio Sá e o empresário Fábio Brasil, este último em Teresina.
Para a polícia, além de ligações telefônicas, esse seria mais um
indício do elo entre o vereador Flanklin Neto e a quadrilha de agiotas.
Por telefone, o avô de Flanklin Neto, que mora em Santa Inês, negou
qualquer ligação com agiotagem, mas admitiu que também defendeu o
pistoleiro num duplo homicídio ocorrido em outubro de 2010. “Envolveram
nosso nome porque na verdade nós fomos advogado dele aqui em Santa Inês,
mas não interferiu em nada. Não houve qualquer decisão aqui favorável a
ele, né?”, argumentou Seba
No primeiro depoimento que prestou à polícia, Jhonatan de Sousa Silva
envolveu ainda o nome de uma outra autoridade, que estaria por trás dos
crimes encomendados pela quadrilha de agiotas, o deputado estadual
Raimundo Cutrim, ex-secretário de Segurança Pública do
Maranhão.
O nome dele também aparece em conversas entre integrantes do grupo de
agiotas. Numa das conversas, um membro da organização criminosa, Fábio
Aurélio do Lago e Silva, o Buchecha, conversa com uma pessoa não
identificada. Ele diz que um outro integrante do grupo, Junior Bolinha,
teria se livrado de uma armadilha, feita por Gláucio Alencar, por causa
de uma intervenção do deputado.
A conversa se refere a um encontro que houve no escritor de um advogado
acusado de fazer parte da quadrilha. De acordo com a polícia, houve uma
discussão entre Gláucio Alencar e Junior Bolinha, apontados como
mandante e contratante do pistoleiro para matar Fábio Brasil e Décio Sá.
Bolinha teria ido pedir mais dinheiro para Gláucio, que contratou os
serviços. Por sua vez, Glaucio se recusou e chamou dois policiais que
davam proteção à quadrilha para expulsar junior bolinha do escritório.
Bolinha então teria ligado para o deputado para amenizar a situação.
O escritório pertence a Ronaldo Henrique Santos Ribeiro, advogado de Gláucio e também indiciado pela morte de Décio Sá.
Policiais
Os policiais civis Alcides Nunes da Silva e Joel Durans Medeiros
trabalhavam na Superintendência de Investigações Criminais (Seic), o
departamento da polícia que justamente investiga os agiotas.
Eles também são acusados de fazer parte da organização criminosa e
foram indiciados por participação na morte de Décio Sá. Os dois foram
afastados do serviço.
O deputado Raimundo Cutrim diz que nunca se envolveu com agiotas. E que conhece pouco sobre os integrantes do grupo.
A polícia diz não conseguiu avançar nas investigações sobre o suposto
envolvimento do deputado no esquema de agiotagem porque para investigar o
parlamentar depende uma autorização, que nunca saiu do Tribunal de
Justiça do Maranhão (TJ-MA).
Em nota, a corregedoria do TJ informou que o pedido foi feito à
presidência do Tribunal no dia 29 de agosto de 2012, pela juíza Ariane
Mendes. Caberia à presidência tomar as medidas para que a investigação
prosseguisse. A presidência do Tribunal de Justiça foi procurada por
duas semanas pela nossa equipe, mas não se manifestou sobre o assunto.
As investigações apontaram também para o envolvimento no esquema de
agiotagem e assassinatos de um capitão da polícia militar: Fábio Aurélio
Saraiva Silva, o Fábio Capita. Ele está preso acusado de envolvimento
nas duas mortes que teriam sido arquitetadas pelos agiotas. Ele estaria
envolvido na morte de Fábio Brasil e teria fornecido a arma para o
pistoleiro matar o jornalista Décio Sá, conforme o matador disse em
depoimento.
A perícia não conseguiu identificar a numeração da arma – que foi
raspada, mas apurou que a munição usada no crime era da Secretaria de
Segurança Pública do Maranhão (SSP-MA)– e foram destinadas às polícias
Militar e Civil.
O depoimento de um outro membro da quadrilha, Fábio Aurélio do Lago e
Silva – o Buchecha, também foi fundamental para ligar Capita ao grupo de
agiotas.
Neste mês, depois ter o habeas corpus negado por seis vezes, Fábio
Capita conseguiu o direito de responder em liberdade pelo assassinato de
Décio Sá, mas vai ser transferido para o Piauí, onde vai permanecer
detido por causa do assassinato de Fábio Brasil.
A Polícia Civil do Maranhão também acionou a Polícia Federal para
ajudar na investigação da agiotagem porque haveria indícios do
envolvimento de um delegado federal no esquema. Pedro Meireles é quem
investigava irregularidades de prefeituras maranhenses. A polícia
suspeita que ele montava operações para pressionar prefeitos que não
pagavam os agiotas.
Numa entrevista à Rádio Mirante AM, em agosto do ano passado, o
ex-prefeito de Serrano do Maranhão, Vagno Pereira, conhecido como Banga,
disse que foi ameaçado pela quadrilha de agiotas porque não quis pagar
uma dívida de R$ 200 mil. Na época, ele alegou que foi preso em 2010
numa operação da Polícia Federal “armada” pelo delegado Meirelles, por
causa da dívida com a quadrilha.
Pedro Meirelles também foi citado na polícia em outros depoimentos de
testemunhas. O delegado da polícia federal aparece ainda em grampos
telefônicos que monitoravam a quadrilha.
O advogado de Gláucio também ligou para a então namorada do delegado Pedro Meirelles, chamada Andreia.
Ronaldo: - Andrea;
Andrea: - oi Ronaldo.
Ronaldo: - pois é. Tá todo mundo surpreso com isso, viu.
Andrea: - eu imagino. Eu também fiquei muito surpresa. Eu não imaginava não, viu.
Ronaldo: não. Tu é doido, pô. Ele (gláucio) tá desesperado, dizendo
“ronaldo, eu tô pagando uma coisa... Tão me chamando de assassino, cara.
Eu não fiz isso.”
Andrea: -Ronaldo, me desculpe, mas eu acredito que tenha feito. A minha
surpresa é que eu não imaginava que ele fosse capaz de fazer isso, mas
me desculpe, você, pedro... Ninguém me engana que vocês todos estão
enrolados.
Andreia não foi encontrada para comentar a ligação. O delegado Pedro Meirelles não quis gravar entrevista.
Em nota, a Polícia Federal diz que está apurando as denúncias contra o
delegado, mas que só vai se manifestar sobre o assunto quando as
investigações estiverem concluídas.
O advogado de Gláucio, Ronaldo Henrique, indiciado e citado várias vezes nos diálogos, não quis gravar entrevista.
Os policiais civis indiciados e afastados da função, Alcides Nunes da
Silva e Joel Durans Medeiros não foram encontrados pela reportagem.
O inquérito da Polícia Civil sobre agiotagem no Maranhão ainda não foi
concluído. A polícia ainda investiga outros grupos de agiotas; a
participação de deputados e até de juízes no esquema.